A realidade da Igreja Evangélica em Portugal

por maio 28, 2020Artigos

A Igreja Evangélica em Portugal é vista como uma “religião” de estrangeiros para estrangeiros. Portugueses olham para estas “igrejas estranhas” que se reúnem em lojas, armazéns e caves, que num dia estão num local e amanhã já desapareceram, como algo que os “brasileiros ou americanos” necessitam para manter os seus hábitos religiosos. É deles e para eles.

O último estudo realizado pela Aliança Evangélica Portuguesa (órgão que representa as igrejas evangélicas perante o Estado), realça o crescimento da assistência nas igrejas face à anterior pesquisa efetuada em 2016. Há quatro anos atrás, cada igreja tinha uma média de 49 pessoas, em 2020 esse número subiu para 73.

Alguns apontam a imigração como o grande motor para esse crescimento. Portugal enfrentou uma crise económica, na qual muitos imigrantes retornaram aos seus países de origem ou emigraram para outros países europeus, mas nos últimos anos muitos escolheram Portugal para viver a sua aposentadoria, para trabalhar aqui ou a partir daqui.

A imigração é sem dúvida um dos grandes fatores para este crescimento. Esta tese é reforçada pelo estudo realizado pela Fundação Manuel Francisco dos Santos que revela que dois terços dos evangélicos na região metropolitana de Lisboa são estrangeiros.

Esta pesquisa realizada pela Aliança Evangélica salienta também o aumento do número de baptismos. Em 2016 cada igreja baptizava em média 5 pessoas (a cada 2 anos), este número subiu para 9.

O investimento na plantação de novas igrejas tem vindo a crescer. Das 500 igrejas entrevistadas nesta pesquisa realizada em 2020, 46% foram plantadas nos últimos 20 anos. Nos últimos 5 anos foram plantadas quase tantas igrejas como aquelas que foram fundadas entre 1960 e 1980.  Das 500 igrejas entrevistadas, pouco menos de metade tem planos concretos para plantar uma nova igreja nos próximos 5 anos.

Todo este investimento na plantação de novas igrejas tem um outro lado da moeda. Cerca de 45% das igrejas plantadas nos últimos cinco anos, tem uma assistência média de 25 a 50 pessoas, 40% possui menos de 25% de portugueses e 39% destas novas comunidades não baptizou ninguém nos últimos dois anos (2018 e 2019). Verificamos também que 82% das igrejas que têm menos de 25% de portugueses a frequentarem os seus cultos foram plantadas nos últimos 20 anos. Pouco mais de 70% destas igrejas são lideradas por pastores brasileiros.

Nos últimos 20 anos foram plantadas bastantes igrejas, isso é factor extremamente positivo, no entanto o lado negativo é que muitas não estão a crescer, não alcançam portugueses e não estão a baptizar ninguém. Estas novas comunidades crescem por via da imigração ou da transferência de membros de outras igrejas evangélicas.

Outros números preocupantes estão relacionados com a idade dos líderes evangélicos. Dos 500 pastores entrevistados, 50% possuem entre 40 a 60 anos. O número de pastores com mais de 60 anos é superior àqueles que têm menos de 40 anos. Quando olhamos apenas para os pastores portugueses, os números são ainda mais assustadores. Mais de 60% revelaram ter mais de 50 anos.

Existe uma enorme carência no que se trata à plantação e revitalização de igrejas por todo o país. No meio de tanta necessidade, esta pesquisa de 2020 (com bases em vários indicadores) elegeu 5 distritos que devem ser encarados como de ação prioritária: Bragança, Guarda, Portalegre, Évora e Beja. Apelidámos este quinteto de “Quinto Profundo” pelo facto de todos se situarem no interior de Portugal.

O estudo realizado pela Fundação Manuel Francisco dos Santos em 2018, dividiu a população da região metropolitana de Lisboa em quatro perfis religiosos: 1) Religiosos praticantes (aqueles que frequentemente assistem a cultos ou a celebrações religiosas); 2) Religiosos não praticantes (na sua grande maioria Católicos não praticantes); 3) Crentes sem religião (Acreditam em alguma divindade, mas não se identificam com nenhuma religião em especifico; 4) Não crentes (aqueles que rejeitam a existência de qualquer divindade).

Estes quatro perfis existem em todo o país, no entanto as percentagens vão variando de região para região. Os “crentes sem religião” são o grupo que mais cresce hoje em Portugal. Esta é uma tendência crescente até porque as gerações mais novas enquadram-se cada vez mais neste grupo. O estudo realizado pelo Instituto Português de Administração de Marketing em 2015 revela que 31% dos inquiridos (quase todos com menos de 40 anos) não tem atividade religiosa.

Portugal é considerado hoje um país “pós-cristão”. Para muitos portugueses, o cristianismo é visto como algo que pertence ao passado. O grande obstáculo para a pregação do evangelho é sem dúvida a indiferença com que muitos reagem à fé cristã. Em outras regiões do país, especialmente no interior de Portugal, a tradição católica ainda é muito forte.

Assumir uma postura realista passa por estar bem ciente das dificuldades que nos são apresentadas, mas também consiste em não desconsiderar as oportunidades que estão diante de nós. Uma outra pesquisa realizada em 2019 (com base em 500 entrevistas com “não evangélicos” espalhados de norte a sul do país) revela que 78% dos entrevistados concordam que hoje em dia as pessoas estão mais abertas para falar sobre a sua espiritualidade (não necessariamente cristã), 62% têm uma opinião positiva acerca de Jesus Cristo e 24% estariam receptivos a um convite para conversar informalmente sobre a Bíblia.

Portugal precisa de novos missionários como de “pão para a boca”, no entanto estes novos obreiros precisam de vir com a consciência de que o seu trabalho necessita de ser realizado em cooperação com as “igrejas nacionais”.

É muito tentador começar um projeto a partir de evangélicos vindos de outro país ou de outras comunidades evangélicas. O crescimento inicial é rápido e aparentemente dá uma imagem de sucesso. As igrejas “enviadoras” congratulam-se com os relatórios missionários, no entanto o impacto real é praticamente nulo. Observamos muitos que percorreram este caminho e que hoje procuram alcançar portugueses através da estrutura da “igreja recém-plantada”. Não o conseguem fazer porque os membros da igreja “exigem” que esta nova comunidade seja semelhante à sua igreja de origem e isso tem como consequência a pouca efetividade no alcance da população local.

É de extrema importância que aquele que vem, perceba que apesar de língua ser a mesma; a cultura, a maneira de pensar, os hábitos e costumes são muito diferentes. O missionário precisa vir com a vontade de “ficar aqui até ao fim dos seus dias”, de enraizar-se na cultura, de construir amizades com portugueses; é necessária capacidade de encaixe para lidar com a frustração e humildade para aprender. O missionário que já sabe tudo irá experimentar enormes desilusões.

Portugal não é um campo estéril. Existem dificuldades e oportunidades como em todos os campos missionários. Há espaço para a criatividade e para ideias novas. Pode vir.

Fonte: Assessoria de Missões da Aliança Evangélica Portuguesa

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